Contratos, Societário, Startups 24 de novembro de 2020

Prós e contras do vesting

O termo “vesting” vem do verbo em inglês “to vest” (vestir). O nome escolhido é uma analogia, comparando a situação de a pessoa que tem direito ao vesting ir aos poucos adquirindo participação societária com o ato de “se vestir”. Assim, o beneficiário do vesting estaria “vestindo” gradativamente a participação societária prometida, conforme cada meta alcançada.

O vesting pode ser definido como um mecanismo jurídico por meio do qual é oferecido a alguém o direito de adquirir, de forma progressiva e mediante o cumprimento de certas métricas pré-estabelecidas, determinada participação societária de uma empresa.[1]

É importante deixar claro que o vesting não é um contrato, mas sim um mecanismo utilizado em modelos de incentivos de longo prazo (como em stock options, opções de compra de participações e phantom shares).

As metas estabelecidas no vesting podem ser de tempo, de desempenho ou uma combinação entre elas. O importante é que sejam metas claras e objetivas, para não haver dúvidas quanto ao seu cumprimento ou não, evitando frustrações e embates jurídicos.

O vesting é muito usado por startups para atrair funcionários para ocupar posições estratégicas e mantê-los motivados.

Ele é oferecido como um benefício para compensar a impossibilidade de pagar altos salários, permitindo que aqueles que têm direito ao vesting possam ter um ganho financeiro expressivo ao se desfazerem de suas participações societárias no momento de uma venda futura da startup.

Além disso, o vesting traz uma sensação de pertencimento às pessoas que recebem esse direito, o que tende a aumentar o grau de comprometimento.

Como consequência, além de gerar uma motivação maior no desempenho do trabalho (por sentir-se sócio da startup e por querer contribuir para o seu crescimento, já que, quanto maior for o valuation da startup, maior valerá a participação a ser vestida), ainda ajuda a diminuir um eventual interesse do colaborador em competir com a startup em negócio paralelos, já que tem a expectativa de se tornar sócio dela ao atingir as metas definidas.

Há dois tipos de vesting, o tradicional e o invertido.

No vesting tradicional, os colaboradores geralmente tem o direito de adquirir uma opção de compra de participação societária da startup, que vão poder exercer no futuro dependendo do cumprimento das metas estabelecidas (normalmente a opção de compra é adquirida gradativamente, com o exercício da opção ocorrendo ao fim do contrato ou antecipadamente em caso de um evento de liquidez).

Já no vesting invertido quem tem direito ao vesting é incluído no quadro de sócios da startup desde o primeiro momento, assinando um contrato de opção de compra de participação em favor de outros sócios, sendo que estes poderão recomprar a participação do beneficiário do vesting caso ele não cumpra as metas estabelecidas.

A principal diferença entre os dois tipos, portanto, é que no vesting tradicional a pessoa só se torna sócia da startup no futuro, enquanto no vesting invertido ela é sócia desde o início, podendo perder esse direito no caso de não atingimento das metas.

Na prática, o que se costuma ver é o uso do vesting tradicional para colaboradores e do vesting invertido para cofundadores ou colaboradores em situações específicas.

Nos dois casos, é comum que exista um período de cliff, que é o tempo mínimo necessário para que o beneficiário passe a ter direito a adquirir alguma participação. Assim, caso o contrato seja encerrado durante o cliff, o beneficiário perde direito ao total da participação.

Embora não haja uma regra, é usual o cliff ser de 1 ano e o vesting ser de aproximadamente 4 anos, com o direito de opção de compra sendo adquirido gradativamente.

Outra cláusula corriqueira nos contratos que envolvem vesting é o direito de os fundadores ou a própria sociedade recomprarem a participação do beneficiário do vesting caso ele deixe de exercer suas funções, mesmo após ter cumprido as metas e “vestido” o total da participação prometida. Essa é uma forma de evitar que o cap table da startup fique inflado com pessoas que não estão mais ligadas ao negócio.

É importante mencionar ainda que, nos casos em que a compra da opção e o exercício do vesting são gratuitos ou por valor irrisório, há um risco elevado desse benefício ser entendido como remuneração, hipótese na qual haveria a incidência de encargos sociais (verbas trabalhistas) sobre ele.

Para reduzir esse risco, a recomendação é que o vesting:

  1. seja oneroso (que o colaborador tenha que pagar por ele);
  2. seja facultativo (que o colaborador tenha o direito de aceitar ou não o vesting); e
  3. implique em risco assumido pelo colaborador (o retorno do benefício dependa da evolução real do valuation da startup no mercado e que o exercício da opção não esteja atrelado a uma venda, o que retiraria o risco do negócio).

Em relação ao preço a ser pago pelo beneficiário do vesting, é importante estabelecer um valor próximo ao real tanto para que ele adquira a opção de compra de participação quanto para que ele exerça o direito de opção de compra. Para o exercício do direito de compra, geralmente toma-se por base o valuation mais atual antes da formalização do contrato de incentivo de longo prazo (na expectativa do crescimento do valuation nos próximos anos) ou aplica-se um desconto em relação ao valor de mercado[2].

Havendo as três características mencionadas acima, será mais viável defender junto ao Fisco que aquele incentivo de longo prazo corresponde a uma operação mercantil e não a uma remuneração de trabalho, para buscar assim afastar a incidência de encargos sociais.

Vale, por fim, fazer duas ressalvas.

A primeira é que a criação de programas de incentivo de longo prazo requer uma análise cuidadosa de cada caso, envolvendo outras questões além das mencionadas aqui.

A segunda é que, embora o vesting seja uma forma interessante de a startup incentivar seus colaboradores, é necessário ser utilizado com cuidado e moderação, para evitar inflar demais o cap table e eventualmente até prejudicar futuras rodadas de investimento.


[1] REIS, Edgar Vidigal de Andrade. Startups: análise de estruturas societárias e de investimento no Brasil. São Paulo: Almedina, 2018, p. 109.

[2] Atualmente, o Fisco tem entendido que descontos de até 20% são aceitáveis para entender o negócio como uma operação mercantil, porém não há previsão legal a respeito, havendo risco de o Fisco mudar a interpretação.

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